terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Arte


Já passava da hora de minhas férias acabar e voltar para Marginália. Com tanta coisa acontecendo eu resolvi tirar férias, e foram mais de um mês, mas cá estamos de volta num novo ano. Neste período travei alguns contatos e retomei outros, sobretudo na mesa de bar, e por favor, não me tomem como alcoólico.

Pois bem, por essa estrada e contatos não poderia deixar de comentar aqui sobre o artista e seu engajamento social, toco neste assunto já que foi recente a temática tratada com meu colega escritor Bruno Paulino. Para minha surpresa dias após essa discussão tomo conhecimento que um texto meu havia sido publicado num e-book na Dialogarts da UERJ, e o assunto do texto era sobre Lima Barreto e sua concepção de arte como engajamento social, deixo aqui alguns trechos do texto:

“Na obra de Lima Barreto a presença humana se mostra em toda a dimensão dos problemas do homem, sejam problemas de relações sociais ou pessoais, eles devem ser tratados pelo artista, eis a meta do artista, sua função social: o artista ou intelectual deve ter o compromisso com o sentimento de humanidade em sua obra. Era assim que Lima Barreto pensava que deveria ser o papel do artista na sociedade, ele deveria ter uma função social em que o “pensamento de interesse humano” deveria ser superior à forma, estilo, gramática ou ritmo da obra.”

Para o escritor mulato de Todos os Santos há de se ter o “pensamento de interesse humano” na arte; aqui me lembro do meu amigo, poeta e músico, Dandy, que sempre diz “quanto mais unidos, mais humanos seremos”. A arte, para ser arte, e não quero aqui conceituá-la, nos une, nos faz entender o mistério que é o universo, o ar, o mar, o homem, o eu, o outro, enfim, ela nos liga a Deus. A filosofia Estoica diz que é preciso haver “simpatia” entre as partes que formam o universo, essas partes somos todos nós (natureza). Spinoza já dizia “Deus sive Natura”, Deus e Natureza são a mesma coisa, então não pode haver rupturas entre as partes da Natureza, pois nos afastaríamos de Deus. Aqui entra Lima Barreto que vem nos chamando, por meio de sua arte, para comungarmos com os outros e chegar a Deus. Aristóteles já dizia “o amigo é um outro [em si] mesmo”.

“Podemos perceber que para o autor [Lima Barreto] só a Arte seria capaz de assegurar a totalidade, seria ela que elevaria o homem, por meio de sua individualização, ao Universo. Isto só é possível porque há simpatia no homem e em sua relação com o mundo e com os homens, e para Lima Barreto é este o sentimento que o intelectual deve cultivar, o sentimento maior e sublime de humanidade que é de com-sentir (sentir-se existir com o próximo, sentir junto a existência) com todos.”

Deixo aqui essas palavras de Lima Barreto como forma de reflexão sobre a arte, sua importância e nosso dever:

“O homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos preceitos e preconceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pátria, de sua raça; ele vai além disso, mais longe que pode, para alcançar a vida total do Universo e incorporar a sua vida na do Mundo.”

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Da marginalização do negro na obra de Lima Barreto*


Lima Barreto fora um escritor, mulato e morador do subúrbio carioca que tivera a ideia, quando jovem, de escrever sobre a “História da Escravidão no Brasil”, ideia essa que só ficara no seu diário. Entretanto, se o escritor não conseguiu concretizar sua ideia escrevendo a história da escravidão brasileira, ele logrou o êxito no romance “Clara dos Anjos”. Este romance começou a ser projetado em 1903, como tá registrado no seu diário íntimo, e só veio a ser publicado em definitivo em 1923, inicialmente parecia uma problematização sobre o negro que continuava a ser marginalizado mesmo após a queda da monarquia em 1889. Apesar das mudanças do romance publicado em 1923, mudanças essas em que Lima Barreto abandona uma escrita histórica da exploração e marginalização do negro no Brasil, permanece ainda o cerne da ideia inicial, se não histórica, mas contemporânea da marginalização que o negro continuou a sofrer no período já republicano. O enredo da mulata, Clara dos Anjos, que é seduzida, sarcasticamente na data 13 de maio de 1888, por um homem branco e depois abandonada, tendo sua filha o mesmo fim, não é simplesmente uma ironia de Lima Barreto, é a representação de uma imagem latente na República Velha: mesmo com o progresso incrementado pela belle époque a questão do negro, sua condição socioeconômica e seu lugar na sociedade republicana ficaram em segundo plano, sendo renegado, marginalizado, e ainda, explorado nos subúrbios.


* Este texto, inicialmente produzido como resumo para publicação, nunca fora desenvolvido e nem apresentado no Seminário sobre estudos culturais e afro-brasileiros que ocorreu esse ano na Paraíba, mas o resumo, como aqui postei, foi publicado em João Pessoa no caderno de resumos do evento. Compromisso tenho de escrever sobre a marginalização do negro, não de forma histórica, mas contemporânea como Lima Barreto pretendia.

domingo, 4 de novembro de 2012

Lá nas Marinheiras e outras crônicas



Não sou de escrever resenhas, pois elas não trazem uma análise da obra, no mais só nos proporciona um resumo, às vezes um tanto conturbado, da obra. Portanto, o que se segue, neste texto, não é uma resenha, mas não é, também, propriamente uma crítica, é antes, considerações sobre o livro do escritor cearense Bruno Paulino Lá nas Marinheiras e outras crônicas ao qual tive contato recentemente.
Considerações sobre a escrita, o tema e sobre a crônica que é o gênero do livro. Comecemos pelo final, a crônica. Por qual motivo um escritor contemporâneo se deteria num gênero considerado por muitos como “menor”? Como a crônica passará da efemeridade a perenidade? Sendo livro de estreia não seria melhor um romance e demarcar assim um lugar, se é que existem lugares marcados na literatura? E como fugir ao regionalismo produzindo no interior do Ceará crônicas da paisagem local?
Assim como a filosofia que é feita de perguntas e não de respostas, não pretendo, em matéria literária, responder minhas indagações, somente discuti-las. A crônica nunca foi gênero menor, mas sempre foi tratada pela crítica como tal, isto desde Machado de Assis, mas foi por meio dela, essa pequena, que as novelas eram publicadas em capítulos nos anos inicias do aparecimento do jornal, entretanto se ela fora vista como algo menor, em questão de gênero, quanto ao conteúdo serviu como ferramenta ideal para crítica seja nos debates literários, sociais, culturais ou, ainda, na representação das cidades, do urbano ao rural, do centro ao marginal. É dentro dessa representação da cidade que encontramos as crônicas de Bruno Paulino, revestida de certo saudosismo de um passado que não viveu é que o escritor vai falando de sua Quixeramobim. Penso que a escolha pelo saudosismo fora para fugir da efemeridade da crônica, mas se me permite meu caro Paulino, senti falta de maior abordagem do presente em sua escrita, não entenda como crítica, pois não é, só apontamento. O saudosismo poderia ser aproveitado para um maior trato com o social e a crítica, como na crônica Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas? Que versa sobre a enchente de 1974 na cidade de Quixeramobim em que áreas construídas na margem do rio foram alagadas, deixando claro um problema de habitação e planejamento urbano.
Quanto à escrita Paulino faz alternações que creio importante ressaltar aqui: ora o cronista escreve mais “despreocupado” e bem próximo de uma linguagem informal, ora uma linguagem de tom mais acadêmico, dou exemplos. A crônica Ah, quentura medonha!!! trabalha uma linguagem simples, bem oral, e portanto, próxima de um público menos letrado, ao mesmo tempo que mescla com referências a textos clássicos que não exigem um conhecimento prévio do leitor para capturar as comparações “brincadeiras à parte, o caso é sério, é mais que sério, é de rachar a moleira meu caro amigo, é quentura de fazer inveja a qualquer inferno de Dante, são 35 graus no termômetro sem direito a nenhuma chuvinha”.O leitor entende que inferno de Dante deve ser algo muito quente sem necessariamente conhecer a obra de Dante.
Ora surge uma linguagem que se quer academicista, mas não se faz, o que é bom. E creio que seja melhor não fazer este tipo de escrita, pois nem na Academia ela é mais suportável. O que fica da linguagem é uma reunião entre o popular e o clássico, mas tenho impressão que o cronista tentou por vezes transparecer mais a segunda que a primeira linguagem. Uma crônica que a considero no tom da linguagem, que não fica nessa tensão, mas sim as une, é Anedotas de Quintino Cunha em Quixeramobim é universal e regional ao mesmo tempo.
Quanto ao regionalismo não creio em tal figura, não como praticam particularizando personagens, enredo, linguagem, ambiente a um lugar. Todo regionalismo deve ser antes universal, caso contrário é literatura menor. Escrever crônicas de uma cidade do interior cearense necessariamente não é regionalismo, não é particularizar a escrita, talvez isso tenha surgido da tentativa ter voz, entretanto o tiro saiu pela culatra, o regionalismo se particularizou tanto que ficou ainda mais afastado da literatura que denominam Brasileira, pois infelizmente o lugar de onde se escreve, seja o físico ou ambiente, é ainda condição para conceituações como literatura brasileira, regional...
Creio que Bruno Paulino não se limita a este pensamento em suas crônicas, outros autores também relataram suas cidades em crônicas como João do Rio e Lima Barreto, o fato é que o tema não conduz a uma escrita regional, isto só vai ocorrer se assim batizarem o livro, coisa que não desejo.
Paro por aqui, mesmo não sendo uma crítica é preciso saber a hora de se retirar, a minha única observação é que o autor em suas próximas crônicas nos fale mais do presente lembrando que o verdadeiro homem contemporâneo é o inatual.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O Homem

Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci

A Filosofia, dentre as diversas áreas do saber, é a que mais mantém relações íntimas com as demais ciências, ou pelo menos deveria ser. Filosofar é ato do pensamento contemporâneo, na acepção do termo contemporâneo do filósofo italiano Giorgio Agamben. Para Agamben o homem contemporâneo está menos no hoje do que se imagina, grosso modo, contemporâneo é ser atravessado pelo passado no presente. Portanto, filosofar é um ato do pensar contemporâneo, pois parte sempre do passado e chega ao presente numa tentativa de justiça. Mas justiça com quê? Com o passado, com o que não foi no passado. Certo é que vocês já ouviram que filosofar é pensar por conta própria, mas todo pensamento nunca é propriamente meu, antes ele é compartilhado comigo. Entretanto, é preciso imprimir minha voz nos meus pensamentos compartilhados, sem isso seria somente repetição, repetição sem minha voz. A isto é que comumente tenho chamado de pensar por conta própria.
Engana-se quem imagina encontrar respostas aqui, meu objetivo é outro. Pretendo deixar dúvidas e nada responder, pois, como diria Flusser, o que nos move é a dúvida, a certeza nos deixa estático. Não respondo a nada porque o importante é não dar respostas, mas intuições. Deixo transparecer isso justamente num momento em que a filosofia parece não ter mais a capacidade mobilizadora, em que as palavras são postas sem mais nada dizerem, pois já não há mais o que dizer. É chegado o momento de pensar por conta própria, sem estereótipos filosóficos, deixar fluir o meu pensamento e fazer um verdadeiro diálogo com os que me antecederam, sempre pautado na dúvida.
Uma discussão nunca encerrada na filosofia e que nos atinge, seja ao homem simples ou ao erudito, é o que sou? Sou homem, mas o que me torna homem? São perguntas, aparentemente, simples e banais, mas que até este momento não têm respostas, só intuições. Sou o que sou, sinto existir, sentir algo é ser o que sente, assim Aristóteles, sem nem pensar nisso, me define, define o homem. Todo homem sente que é homem, este sentir-se homem é o que o torna homem. Mas quando penso, e aí só posso pensar, que o animal também deve sentir-se animal já não sei mais o que me torna homem, pois divido, com este animal, mais um traço que é o sentir. Será o sentir um dos próprios do homem? Será que o animal sente que é animal?
É bem certo que na filosofia sempre é abordada a questão do homem e animal, os seus traços distintivos e singulares, mas nunca se chegou a um conceito do que é ser homem, um traço que seja inerente ao homem. Logo podem pensar que sim, e falarem do logos, mas isto não é um traço singular do homem, ora a ideia de razão é do homem não do animal e o homem sempre imaginou que pode imaginar o que pensa o animal, mera suposição humana.
Para se chegar a um conceito do que é ser homem faz jus, além de um resgate da história da filosofia, um conceito sobre o que é conceito, e aí nos afastaríamos, ainda mais, do nosso objeto. Mas afinal o que é o homem? A filosofia sempre se inteirou deste questionamento apontando para traços distintivos como a razão, um animal que rir, que pensa, trabalha entre outros, mas nenhum traço deste é decisivo e encerra a distinção entre o animal e homem, todos esses traços trazem pontos importantes para a discussão filosófica, mas nenhum pretende ser completo.
Para saber o que é o homem é necessário conhecer a sua causa, se conhecer é conhecer a causa de sua existência. A causa de minha existência é humana, minha existência só é possível porque outra existência, homem, foi capaz de me produzir. A maioria dos filósofos parecem não passarem deste ponto, e fazem muitas voltas em torno do mesmo ponto, este é um mau de alguns filósofos, anda-se muito para voltar ao mesmo lugar, digo alguns para não cometer o pecado da generalização. A maioria dos filósofos desconsideram as causas da minha essência e ação, como se o homem se resumisse somente à existência.
Spinoza, considerado por muitos como ateu, é destes poucos filósofos que julga que só se pode conhecer o homem se conhecer suas causas: a causa da sua existência, essência e ação. A causa da minha existência é o homem; de minha essência é Deus e de minha ação o desejo ou vontade. Essência, assim como outros termos, é muito caro à filosofia, espero não ser leviano em meus apontamentos aqui. Em Spinoza essência é a “maneira pela qual as coisas criadas estão compreendidas nos atributos de Deus.”
Aqui, me parece, ser um ponto de partida para tratarmos do Homem como animal que pensa, como espécie, como um ser que tem essência e vontade. Mas, afinal, o que é o homem?  

domingo, 30 de setembro de 2012

Da arte de beber literatura (teses)


I


Assim como a bebida que vicia, a literatura também torna o homem alcoólico; quase sempre, os que possuem cultura de subúrbio, começam nas bebidas geladas, sobretudo, cerveja e chopp, após certo período a ânsia literária já não se satisfaz com leituras geladas que são típicas de quem começa a conhecer a literatura. Do chopp e cerveja migra-se para bebidas quentes, ora whisky, não os de boa qualidade, ora vodka, sobretudo as nacionais, ora a cachaça. Aqui reside o paradoxo, à medida que a inconstância da literatura cresce em nosso peito vamos mergulhando em leituras mais “pesadas”, mais fortes, complexas e perturbadoras no espírito humano, porém não é culpa dela, a culpa é do homem, do seu espírito conhecedor, aqueles que rompem com a ignorância se afogam neste mundo de bebidas literárias. Por outro lado esse mergulho é também um fracasso, a cada passo que dá para a literatura são dois passos para a solidão, medida descomunal. Vamos nos tornando alcoólicos, a cerveja do subúrbio já não serve mais, parte para o whisky ruim, e já se prova outro gosto, acalma o espírito ao mesmo tempo que o corrompe para vôos maiores; a vodka vem, o whisky de boa qualidade também, parece que enxergou a divisa do espírito, breve engano que a literatura nos proporciona, daí em diante experimentamos o paradoxo do vôo alcançado e a dependência; a cachaça será o fim, é quando não suportando e não compreendendo o aparente transcendental, encontra na cachaça o devido silêncio da solidão que a literatura proporciona. 


II

A Literatura no nosso tempo tem sido encarada como ferramenta que não segue mais grupos, livre de técnica, “normas”. Mas ao passo que esses grupos foram sendo sucumbidos surgiram outros, só a técnica que parece  ter morrido. Portanto, permanece a hegemonia que se volta, não mais para quem escreve ou publica, mas para quem tem “vaga”. Por acaso há vagas nos botequins reservadas para os eleitos? O botequim é de todos, mas é preciso saber beber. A bebida tem sua forma, sua propriedade, onde reside seu conceito de bebida, de lá extraímos a aparente transcendência; nem mesmo a literatura transcende, ela é cria e pai do mundo, e é aí que mora a falsa transcendência porque dela é impossível surgir o novo, para tal acontecimento é preciso que o novo surja de algo nunca visto antes. Ela é atravessada pela história, daí tudo o que ela faz é no nível do mundo.

III

O que prejudica os nossos literatos não é a cachaça. É a burrice.
Lima Barreto


Beber em demasia é um mal, vicia o homem e o mata, prudente seria não beber, mas aquele que experimenta o breve instante da luz divina a deseja compulsivamente até a morte. Ela também pode desviá-lo para as trevas, sobretudo quando nela busca o alívio do seu tempo; aqueles que buscam a verdade a encontram pelo conhecimento, assim é a literatura também.

IV

Cachaça boa é cachaça velha, quanto mais velha for, melhor fica; aqueles que sabem apreciar uma boa bebida sabem do que falo. Mas cachaça nova também é boa, entretanto, para degustá-la não é preciso, necessariamente, ter provado as bebidas antigas, porém ela só será uma boa cachaça se tiver na sua composição a devida quantidade de reconhecimento às bebidas antigas que sempre dividirão espaço no bar com as novas. Bem que a literatura do Agora poderia ser encarada assim, como uma cachaça nova.


V

Toda cachaça requer ser envelhecida para ganhar o padrão de “boa”. Toda cachaça só é boa porque é velha. Toda cachaça velha é nova também, e toda cachaça nova é velha, mas não será boa se for apenas velha, é preciso ser muito mais que velha, é preciso superar a velha cachaça no tempo. Assim é a boa literatura, ela não pode negar o passado, sua relação com ele não é de herança, e sim de justiça, ser no presente o que não foi no passado, mas para isto é preciso ser tudo o que foi no passado e então se superar fazendo justiça com aquilo que não foi.


VI

Curió, meu filho, tá uma porcaria, mas poesia ruim é melhor que bosta nenhuma. 
Quincas Berro d'Água

Há cachaça ruim? Sim, há. Quem já bebeu uma cachaça doce, gostosa, na medida certa do álcool, sem colocar ou tirar, sente a diferença quando bebe uma de má qualidade, mas nem por isso deixa de ser cachaça. Aliás, melhor uma cachaça ruim que nada. O mesmo vale para literatura; questão de gosto, questão de ter alguma coisa que coisa nenhuma. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Lupicínio Rodrigues: o corno que encanta


Há um Deus, sim, há um Deus.
E este Deus lá do céu há de ouvir minha voz.


O que é música? Prefiro pensar que a melhor definição é não ter definição, fico com a palavra “harmonia”; até mesmo o silêncio tem uma harmonia, e é uma harmonia enlouquecedora. Até o barulho dessas teclas enquanto digito é música, pode se formar ritmos da batida dos meus dedos no teclado do computador, uma sinfonia de sons, uma harmonia do barulho. A música não está em nossas vidas, ela é nossa vida, é a harmonia da vida, sem ela faltaria alguma coisa em todas as criações da Natureza, a vida seria um erro como diria Nietzsche. A música transforma o homem, o transporta para longe de si, nos outros e múltiplos eus, basicamente a música nos serve para tudo, seja para esquecer os problemas, seja para lembrar-se de uma paixão, seja para chorar de saudade, seja para sorrir, gritar, cantar, beber no bar ou, simplesmente, só para ouvir.
Lupicínio Rodrigues é destas figuras que nos faz ouvir uma música com lágrimas, relembrando pessoas, sofrendo de reminiscências, desejando ter vivido outras épocas, balançando levemente a cabeça num gesto afirmativo e com um sorriso meio tímido nos lábios. É assim que no conforto de casa ou na mesa do bar escuto os seus versos ecoarem e me levando de mim: “Quantas noites não durmo/ a rolar-me na cama/ a sentir tantas coisas/ que a gente não pode explicar/ quando ama/ o calor das cobertas/ não me aquece direito/ não há nada no mundo/ que possa afastar esse frio do meu peito/ volta!/ vem viver outra vez ao meu lado/ não consigo dormir sem teu braço,/ pois meu corpo está acostumado.”
Suas letras exalam a dor de cotovelo, porém muito mais que isso elas transportam o amor e a saudade. Saudade de um tempo que nunca vivi, saudade que faz sorrir e chorar, amor e paixão que me deixa a desejar e sonhar ter escrito letras como a de “Esses moços”.

“Esses moços, pobres moços/ Ah! Se soubessem o que eu sei/ Não amavam, não passavam/ Aquilo que já passei/ Por meus olhos, por meus sonhos/ Por meu sangue, tudo/ enfim/ É que peço/ A esses moços/ Que acreditem em mim.”

Não é o canto de um homem derrotado, no fim da vida, ao contrário, é o canto do homem vencedor, vencedor por ter vivido o amor, sua súplica de querer crédito em suas palavras é em vão, e ele sabe que é, pois o amor tem em si essa façanha ilusória da felicidade e, também, do abismo. A dor do amor é a que modela sua música, sua letra, sem ela nada existiria, então por isso o amor de Lupicínio, e de qualquer homem, é a dor que todos sabemos que vai doer, mas só é amor se doer, só é amor se for paradoxal, se for de sorrir e chorar ao mesmo tempo.
Lupicínio faz da dor que é a traição um manifesto de amor, o afastamento da amada, a saudade, a letra que não é melancólica, o desejo da volta, tudo isso é amor em Lupicínio. Algumas músicas são de desespero, a dúvida da traição como em “Se eles estão me traindo/ e andam fingindo que é só amizade,/ hão de pagar-me bem caro/ se eu um dia souber a verdade” nos faz lembrar Bentinho. 
Ele é o corno que encanta, o corno que cantamos mesmo sem sermos cornos, o corno que não é corno; Lupicínio é o homem que ama e soube traduzir em melodias a dor que é amar.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Homem Santo


A minha janela não tem vista nem pra morro, nem praia, acho que fico entre dois mundos, o que é pior, pois se não sou explorado, não sou explorador, não sou nada dessa janela aqui. Mas essa janela é minha vida, minha prisão e liberdade. O tempo aqui perde sua característica convencional, casual, linear de ser. Tempo aqui é simplesmente tempo, e só. Não me preocupo com a noção de sucessão no tempo, coisa vital para muitos, para mim é ao contrário, necessário é não ter tempo, só ato. O instante, momento, ato, segundo, como queiram, é o que sou; não relógios, marcadores, datas, aniversários. Com isto não nego o tempo, pois ele se faz a cada ato na minha pele, mas repudio a linearidade, pois não é ela que faz minha pele enrugada, cabelos brancos, cansaço físico, antes é uma causa de átomos que vão se transfigurando, não há nesse processo algo que no momento, um determinado momento, fosse deflagrado numa corrida linear determinada pelo tempo que culminaria na minha morte. Não me alongarei em palavras sobre o tempo, já ficou claro, creio, o que penso do tempo, sendo assim o eu não é propriamente meu, mas sou eu atravessado por diversos eu’s, há nisso por acaso linearidade?
Essa janela, como já salientei, é minha prisão e liberdade, pois dela estou certo que resgato o passado no presente e faço o futuro precursor do presente, e sei bem que isto é um meio de me livrar dessa janela. Mas chega de devaneios atemporais e temporais, já cansei demais você. Escrevo-te meu amigo para desabafar o que sucedeu por aqui, não tenho intenção de citar nomes, pois nem mesmo adiantaria já que você não conhece, nem pretendo ser longo e explicar-lhe detalhes, detalhes matam a literatura, tira o brilho do leitor em completar as lacunas deixadas. Sei que você completará muito bem os espaços deixados aqui; situar no tempo também não importa, é fato comum, do dia, que acontece com qualquer pessoa e em qualquer lugar. Na verdade não pretendo nada com esse texto, o leitor faz o que quiser com ele, isso é problema dele.
Tinha pouco mais de 27 anos, sem dinheiro, sem emprego, sem as certezas do mundo, sem as certezas de mim, sem saber mais se era capaz, sem saber se entendia mesmo do que falava, sem saber. Esse era eu no presente, nada diferente dos muitos que por aí vagueiam, mas era eu, e isso me assustava. Assim, o leitor dos romances contemporâneos até pensará que hoje está tudo diferente, melhor, que tenho dinheiro, emprego, sou intelectual convicto, conhecido... sinto muito meu caro, mas continua a mesma situação, só eu que mudei e mudo. E como mudo, de tanto mudo eu silenciei, fiquei mudo. Mas irei contar o amigo o que sucedeu.
Na tenra idade, eu que achava tudo podia (e podia), me enveredei pela política. O amigo bem sabe que nunca fui dado a essas coisas, na faculdade havia dois grandes grupos, oposição e governo, direita e esquerda, centro-esquerda e centro-direita e essas nomenclaturas que você conhece muito bem. Pois então, mesmo sendo avesso a isso de política me candidatei a vereador de uma cidade no interior, motivo é que tava na pindaíba e esse era o dinheiro mais fácil, e mais rápido e mais honesto. Era conhecido na cidade como O Professor, me servi disso e fui eleito. Não me servi muito do dinheiro público, só o necessário, mas o mau é que de necessidade em necessidade a gente vai se servindo e desagradando também. Armaram pra mim e fui pego e me afastei. Voltei a minha vida de professor e a da pindaíba também, passado uma eleição me deram uma nova proposta, essa agora de ordem religiosa, uma missão divina. Nunca fui dado com religiões e igrejas, mas como dizem que a necessidade faz o homem eu me tornei um homem santo. Passei a frequentar os cultos, inicialmente ia nos sábados à noite e domingo pela manhã, logo entrei num grupo e passei a me dedicar três dias por semana, em seguida já estava inserido na igreja como O Irmão. Até que me disseram que deveria continuar minha missão divina, ser uma voz do Senhor na política ( claro que ninguém ali tava preocupado com isso, as preocupações eram financeiras, pastor queria isenção fiscal). E voltei, com o apoio da igreja, ( se quiser ser político, entre pra igreja meu amigo) a ser vereador. Em dois anos de mandato eu aboli os impostos da igreja e de empresas ligadas a ela, construí mais duas com dinheiro público, aumentei minhas necessidades e inaugurei uma praça pública. Ninguém pode negar que não fui um bom político. Mas em política é sempre bom ficar de olhos abertos. Quando se tem uma missão divina duas coisas não se pode fazer: beber em bares e frequentar puteiros. Pequei nos dois, fui expulso da igreja e perdi o mandato por questão de decoro. Quem estava comigo na farra era o pastor e o prefeito, ambos não podiam se queimar, e eu fui o crucificado, me tiraram do time. Hoje são deputados estaduais e a igreja é líder no Estado, bem como é líder na isenção de impostos. Ontem pela manhã recebi aqui em casa um bilhete assinado por ambos:
“Velho amigo, sabendo das suas dificuldades e de como a vida política lhe fora cruel, estamos solicitando sua presença em nossa corrida por uma vaga no Senado Federal. Junte-se a nós, precisamos de você, de um assessor em nossa luta. Venha nos visitar na capital em nosso escritório.
PS: Em Brasília poderemos fazer nossas farras, dizem que lá imprensa e senadores jogam no mesmo time.”

sábado, 21 de julho de 2012

Carta


Caro Archidy,*

Com as novas tecnologias vem junto uma discussão, que não é nova, sobre o que é literatura e sua morte; isso chega até nós como se livro fosse sinônimo de literatura, coisa que não é. O livro é um suporte que pertence mais à história que propriamente à literatura, portanto ela não morrerá, só mudará de suporte, assim como mudou do pergaminho para os livros. Mas a pergunta fica: o que é literatura? Claro que não tenho pretensão de responder isso, se um dia me enveredar por tal caminho não será para dizer o que ela é, mas, antes, deixar mais dúvidas. O motivo de começar este texto tomando essa questão é para tentar entender por qual motivo a escrita fantástica no Brasil ainda é vista como escrita menor, ideia pueril. Não sou um leitor perspicaz da nossa literatura contemporânea, tenho essa falta comigo, mas sinto que há cada vez mais divisões na literatura, divisões essas que atendem a certos grupos dentro e fora da Academia que tomam para si a bandeira de “intelectuais”. O que quero dizer com isso meu caro é que a literatura dita fantástica, regional, tradicional trabalha com a mesma coisa, o texto. Sendo assim não há diferença entre uma categoria e outra, uma não pode ser menor ou maior que a outra, pois todas lidam com o texto, o que as diferencia, e não é caso de categoria, é o trabalho com o texto. Acrescente a isso que a boa literatura é regional, tradicional, contemporânea e fantástica a um só tempo, não tomo o fantástico somente como algo “irreal”, mas como fruto do imaginário, pois, afinal toda escrita é imaginação, é a ficção que já avisa que é ficcional, é o elemento que nos eleva a outros e a nós mesmos. Portanto, toda escrita é, no seu íntimo, fantástica.
O subtítulo “a história que Pero Vaz de Caminha não contou” atrai muito mais o leitor que propriamente o título, e é fácil dizer o motivo: qual leitor não gostaria de saber o que Pero Vaz de Caminha não relatou ao rei de Portugal sobre nossa terra? Essa mistura entre o histórico e o ficcional será um recurso ao longo do texto que prende o leitor e o dará imaginação, assim como o subtítulo justifica o narrador que promete contar algo, um mistério, e não conta. O primeiro capítulo, penso eu, é onde o narrador mais faz reiterações sobre o mistério a contar e depois quebra trazendo fatos conexos numa espécie de construção histórica das reminiscências do narrador, autor da carta. Confesso que achei cansativo as diversas reiterações, mas ajuda o leitor a passar para o próximo capítulo, bem como elas aproximam o narrador do leitor quando, de forma irônica, aquele reconhece as repetições e prever as críticas dos literatos.
É a partir do segundo capítulo que se nota um trabalho mais apurado com questões do espírito em torno do tema fantástico. Portanto o primeiro capítulo funciona, de fato, como preparação e seleção dos leitores. No tratar de questões do espírito destaco o narrador, que na transcrição do ocorrido, vai questionando o que seria fantástico, irreal e confronta isso com a ideia de “Deus fantástico”. Este deus fantástico, que é o deus religioso, é real para grupos religiosos, mas é inadmissível, por esse mesmo grupo, a ideia de um fantástico que não seja religioso. Essa questão me fez lembrar uma discussão recente que travei com uma amiga sobre a ficção: somos ficção tentando ser real, e a literatura, como diria um professor meu, “é a mais honesta das ficções, pois logo de cara diz que é ficção.” Com isto meu caro não me tome como um homem de causa ateísta, não. Ao contrário, o que se discute aqui é a ideia de deus fantástico, ideia essa, que para o homem moderno, faz tanto sentido quanto uma história permeada do fantástico. Numa coisa a filósofa de extrema esquerda Marilena Chauí tem razão, “o ateu é aquele que não acredita no nosso deus”.
Esse ponto sobre sermos ficção rende bastantes páginas a partir de sua obra, mas quero deixar para outro momento. Agora gostaria de ressaltar mais um ponto que são as notas de rodapé, coisa não muito comum em romances, o que me vem de memória neste momento é somente Iracema, perdão se não lembro outra mais recente.
As notas, num primeiro momento, tem a impressão de educar os leitores, é um recurso até didático onde se presume que os leitores sejam crianças e adolescentes e por este motivo seja necessário uma explicação de certas personagens históricas que porventura não sejam do conhecimento do referido público. Entretanto, as notas também são parte do romance. Apesar de poucas, demonstram a necessidade que o autor, não o narrador, pois as notas não são dele, tem de cercar seu texto de verossímil, as notas, me parecem, estão aí também nessa função secundária: atestar a verossimilhança da carta.
São breves apontamentos meu caro sem intenção de normatizar, pois a obra sempre se encontra aberta. Gostei do seu texto “Eu, Papai e a Literatura”, gostei da discussão que você traz sobre a Arte, o que ela é. Quando estive na Paraíba toquei nesse ponto quando tratei Augusto dos Anjos: “Sendo assim para entender arte ou o que é arte não é preciso ser um intelectual; se um homem simples do sertão compreende o mundo a partir do seu lugar ele sabe o que é arte, se ele parte do pessoal ao universal ouvindo, por exemplo, notas musicais e ritmo no chocalho do gado no pasto ele sabe o que é arte, este homem simples se elevou sem precisar de nenhum conhecimento técnico de música.” Essa temática venho perseguindo com Lima Barreto em meus estudos sobre o autor carioca, espero também discutirmos mais sobre esse assunto.

Abraço.
Rio de Janeiro, 22/06/12.
Chico Arruda.

*
Correspondência enviada ao escritor Archidy Picado Filho. São apontamentos sobre o seu livro Os Cães do Diabo que o escritor me entregara quando estive em João Pessoa/PB. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Da Arte de Beber Literatura


VI


Curió, meu filho, tá uma porcaria, mas poesia ruim é melhor que bosta nenhuma. 
Quincas Berro d'Água



Há cachaça ruim? Sim, há. Quem já bebeu uma cachaça doce, gostosa, na medida certa do álcool, sem colocar ou tirar, sente a diferença quando bebe uma de má qualidade, mas nem por isso deixa de ser cachaça. Aliás, melhor uma cachaça ruim que nada. O mesmo vale para literatura; questão de gosto, questão de ter alguma coisa que coisa nenhuma. 

domingo, 10 de junho de 2012

A arte como ente compartilhado


Creio que em todo período sempre se discutiu o que seria Arte e no nosso não é diferente, essa discussão sempre está dentro da Academia como se tivesse uma fórmula ou conceito que a defina, e isso vem como numa “tradição” e chega até nós como um grande “problema” a ser resolvido. Espero não ser leviano em minhas observações sobre o que é arte e nem espero definir algo; pela liberdade que me concedi na escrita deste texto me sinto à vontade para fazer meus apontamentos a partir da ideia de compartilhamento que vejo presente nos processos de subjetividades, ideia essa que me apoio em Hegel e Agamben para aqui tratar.
Num ensaio intitulado O que é o contemporâneo? Giorgio Agamben ressalta que o verdadeiro homem contemporâneo é aquele que é atravessado pelo passado no presente, ele é deslocado, anacrônico. Para Agamben o presente é o “não-vivido em todo vivido” – prefiro usar o termo “não-vivido no vívido-ido” por ter uma continuidade, não cessa – ou seja, é o mesmo caso em Hegel, caso de justiça com o passado. Este homem atravessado pelo passado no presente, anacrônico, só nos é possível imaginá-lo pensando que ele é um sujeito compartilhado, daí depreender que um homem do século XXI pode ser perfeitamente contemporâneo de outro do século XIX, por exemplo. Ao ler “Iracema”, de José de Alencar, hoje, eu me torno contemporâneo dele porque não faço uma leitura no seu tempo, mas, sobretudo, no meu tempo em sua obra. Não sou nada mais que uma reunião de subjetividades em mim que vêm do passado, mas isto não é herança que recebo do passado, é missão que recebo do passado, missão de justiça que devo fazer, ou tentar, a ele no presente. Sendo assim quando leio Alencar compartilho com ele de suas leituras e de seu tempo e de tempos, períodos, anteriores ao autor, e toda re-leitura é sempre um novo compartilhamento. Percebe-se então que somos todos sujeitos compartilhados que compartilham de alguma forma com o passado e que estamos todos, de alguma forma, unidos por esse compartilhamento.
Se entendermos que o indivíduo, o sujeito, o homem é compartilhado então a Literatura, a Arte também é compartilhada. Quando mergulhamos numa pesquisa sobre a obra de Shakespeare ou Dostoiévski, por exemplo, o que estamos fazendo se não compartilhando com eles e deles? Não estamos por acaso levando o nosso tempo até eles e também modificando o passado? Por acaso tal pesquisador não está compartilhando e resgatando, ou tentando resgatar, no presente o não-vivido?  E se a isto tomo como verdade como posso afirmar que tal coisa hoje não pode receber o nome de Arte se eu a levo também para o passado dito artístico? 
Ao que tudo indica comumente atribuímos como arte o que nos chega do passado e, sobretudo, ao que chamam de cânone ou clássico. Não vou discutir aqui os meios que certos teóricos elencam obras e lhe dão a alcunha do cânon, mas rebater essa hierarquização que faz com que digam que isto é ou não arte. Dizer o que seria arte já pressupõe excluir um ou outro conjunto de produção literária, mas se não podemos dizer o que ela é, podemos ao menos dizer o que ela faz.
Lembro-me de ter lido um texto-palestra de Lima Barreto, O destino da literatura, texto este que nosso mulato de Todos os Santos nunca chegou apresentar, e lá Lima Barreto cita o jovem filósofo francês Jean-Marie Guyau se referindo à arte como “a expressão da vida refletida e consciente, e [que] evoca em nós ao mesmo tempo, a consciência mais profunda da existência, os sentimentos mais elevados, os pensamentos mais sublimes. Ela ergue o homem de sua vida pessoal à vida universal, não só pela sua participação nas ideias e crenças gerais, mas também ainda pelos sentimentos profundamente humanos que exprime". O que o jovem Guyau nos fala é a mesma coisa que Hegel e Agamben também nos diz: a arte é compartilhada.
Tomando essa verdade da arte compartilhada não vejo mais motivos para discussões sobre o que seria arte e muito menos dizer o que não é arte; se sou um sujeito e que reside em mim diversas marcas de processos subjetivos distintos e que estou, a todo o momento, compartilhando desses gostos em comunidade então estamos todos ligados, compartilhados pelas mesmas ideias, atravessados pelo o passado e qualquer produção nessa cadeia será arte para todos, pois negar isso seria negar a própria ideia de compartilhamento e a si, e só não haveria motivos para tal discussão do que é arte se não considerássemos nenhuma produção artística do passado como arte.
Para Hegel a arte é um produto do espírito, por isso o belo artístico ser superior ao belo natural e mesmo “a pior das ideias que perpasse pelo espírito de um homem é melhor e mais elevada do que a mais grandiosa produção da natureza”. Nessas palavras creio que Hegel não define, como requer o conceitualista, o que é arte, mas, antes, ele diz de onde ela vem e o que ela faz: eleva o homem. Sendo assim para entender arte ou o que é arte não é preciso ser um intelectual; se um homem simples do sertão compreende o mundo a partir do seu lugar ele sabe o que é arte, se ele parte do pessoal ao universal ouvindo, por exemplo, notas musicais e ritmo no chocalho do gado no pasto ele sabe o que é arte, este homem simples se elevou sem precisar de nenhum conhecimento técnico de música.
Ao que me parece em Hegel não há discussão sobre o que é arte, nem hierarquização, mas um dizer o que ela faz, e esse dizer em Hegel só é possível porque temos na arte, assim como no homem, um ente compartilhado em comunidade. A arte como ente compartilhado faz com que toda discussão sobre o que não é arte perca o sentido, só é preciso se atentar sobre o que eleva o homem, isso é o que a arte faz e neste sentido a própria história para Hegel é vista como forma de arte.
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