terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Londrina Campos, 78 anos


        
          Até saber de Londrina eu não sabia do que se tratava o termo ‘irmã do tempo’ chamada: gratidão. Londrina não pensa nas vírgulas, nos pontos nem nos exageros das exclamações quando fala de seu passado, ela o é e o conta como foi, só isso. Há em suas palavras uma gratidão tamanha onde o tempo acarinhou lentamente com passos leves e fortes, tornando-a a mesma ‘menDina’- menina Dina, de sempre. Ela só não é firme quando pergunto pelos avós dela, nisso mexo nos calos de ‘Mendina’, chora como criança, e aí é onde começam as páginas em branco que lhes contei que haveriam de ler. Pois bem, minha Dina, conte a eles o que é seu, de suma importância sua, que ninguém lhe toma, o passado que ainda e nem nunca irá morrer, nem que você o leve, a historinha dos avós paternos que lhe trouxeram uma vida semelhante a de hoje, feliz e tão distante daquele tempo. Conte a eles, você consegue. Eu vou estar aqui e vou te ajudar.
- Não sei qual o tamanho das pessoas que irão me ler, mas espero que comecem e terminem com tamanho maior. É só uma sugestão. Eu morei com meus pais durante muito tempo, durante o tempo que chamam de uma vida toda, mesmo tendo saído de casa, em meu ser eu ainda morava com eles, de perto eles foram o mais próximo do que são para mim meus avós paternos, especialmente. Sem ofensas aos maternos, pois não os conheci. Eu tinha irmãos que me faziam sentir que o mundo lá fora era assustador, não por que eles brigavam ou algo assim, mas por que eu os via como pessoas que em meu íntimo eu já havia perdido. Não sentia amor e nem sequer os conhecia, exceto Agenor, com quem nunca troquei uma só palavra, e acreditem isso dura até hoje. Os outros me diziam muitas besteiras semelhantes às besteiras que escuto todos os dias de pessoas desconhecidas, como o fato de eu ser feia, diferente deles no aspecto físico, eles diziam, eu particularmente via diferenças que ultrapassavam ao simples nariz empinado ou a cor da pele branco-amarelada que eles tinham. Eu também sabia ofender, aprendi intimamente a magoar as pessoas treinando em mim mesma. Devem estar pensando que sou uma espécie de psicopata em transição, ou pior, que sou sozinha e sem filhos porque não quis contar que casei, engravidei e depois de seis meses de casamento e filho no colo, uma noite dessas dormindo, o matei e matei também o marido e por isso faria sentido à família ter me abandonado. Como vocês são cruéis, isso são guerras, as guerras nossas de todos os dias, mas não, não foi isso que aconteceu. Nunca matei ninguém, tive vontade, não nego, mas foi como suspirar e passou.
- Ana, acho que fui sardenta em falar para eles que não amei meus irmãos de sangue, mas não posso negar uma verdade minha, você bem me conhece e sabe como fico, não sabe? – Sei sim Mendina, eles vão entender.


(...)


2 comentários:

  1. O tempo passado que todos relembraremos um dia. Serão belos? Serão tristes? Serão apenas o tempo que passou?

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  2. Será se importa, quando forem lembrados, se foram belos ou tristes? Ou então o ato de lembrar em si é o que importa, não por nostalgia, mas por resgatar o passado? São perguntas.

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