domingo, 3 de julho de 2011

Olhar em Cinza


Como explicar este mundo e suas cores para alguém que não tinha olhos iguais aos que vêem por fora? Os olhos daquele menino mostravam um mundo em véu ao tom de preto e branco para quem o via, mas ninguém podia imaginar como se passava o mundo dentro dele. Era muito azul, tinha tanto azul naquela paisagem que se usassem verniz lhe tiraria o brilho. Era como um presente entregue, o menino via como se o céu pudesse tocar as suas mãos. E logo vinham os pássaros e as andorinhas de tamanho desproporcionais, não lhe faltava areia nos pés, não lhe faltava lençóis de areia, o que ele criava em seu mundo não podia ser limitado como uma visão que nos permite muitas vezes enxergar apenas no corredor que existe entre o lado direito e o canto esquerdo do olho.
Eram olhos de pouca precisão e mal se mexiam, pensávamos nós. Eram olhos que lhe permitiam ver além das cores deste mundo aqui, mas isso só ele sabia. O menino que nasceu com o dom de não poder enxergar. Podiam ate pensar que não lhe convinha, mas só ele sabia.
Quando acordado, sonhava. Isso lhe trazia uma vasta felicidade, (como posso aqui descrever o que eu não posso ver com olhos suficientemente abertos?)
Então do que lhe serviam aquelas pupilas senão para lhe permitir um deságüe de dentro pra fora? Algo nele estava sempre prestes a desaguar. Mas o que seria para ele desaguar, como ele poderia saber-se? A sua felicidade tinha outro tom, um tom de manhã sem vozes, como um sentimento onde as palavras não lhe podiam ser tão fiéis, as palavras foram extintas em seu mundo.
(Passamos o tempo inteiro tentando consertar coisas que aos nossos olhos nos desagradam porque achamos que o que vemos não é completo ou porque sempre teremos essa mesma sensação de que falta algo em tudo ao nosso redor. Mania medíocre, coisa de ser humano mesmo.
(Como podiam ter enganado aquele menino de apenas 11 anos, trocando seus sonhos por córneas. O que nós sempre achamos que serve para um serve para outro e isso nos torna as pessoas mais cegas. Eles não entendiam o que o menino sentia, estavam surdos demais para ver.)
Naquela manhã escolhida para lhe darem este mundo aqui de presente, ele acordou atordoado e com dores, mas onde estavam as cores? Castraram-lhe os sonhos mais infantis no sentido puro de ser e ao abrir os olhos acabou por sentir o cárcere da vida humana, soterrado dentro dos seus ainda olhos de criança. Perdera aqueles olhos que lhe deram a vida que motivava seu mundo a ser sempre o perfeito, lhe trouxeram a cor de um mundo verdadeiramente cinza. E pela primeira vez ele chorou.

3 comentários:

  1. "Passamos o tempo inteiro tentando consertar coisas que aos nossos olhos nos desagradam porque achamos que o que vemos não é completo ou porque sempre teremos essa mesma sensação de que falta algo em tudo ao nosso redor. Mania medíocre, coisa de ser humano mesmo."

    Não há o que dizer além de suas próprias palavras. Lindo.

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  2. Elogio vindo de você deixo estampado no rosto a sensação de felicidade. Obgda fia! =*

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  3. Esquecemos que os olhos não são somente para enxergar o mundo exterior, mas para voltarem-se a nós mesmos e assim compreender o que se passa dentro de nós. As cores que possuímos são mais fortes do que as que vemos.

    Legal teu texto. :)

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